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Foto: Mariana de Carvalho. Oxford, Abril 2010

Oscar Wilde

Oscar Wilde de Hoje (e Sempre)

"a man who moralizes is usually a hypocrite, and a woman who moralizes is invariably plain"

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Through the Looking Glass

Sempre achei que as referências culturais e afetivas distorciam a percepção da realidade, e que deveríamos ter um olhar puro e imaculado sobre o que víamos. Por isso, pensava que falsearíamos a realidade quando, por exemplo, a olhássemos através de uma câmera fotográfica.

Agora vejo que a realidade totalmente objetiva é inapreensível, já que inexistente. E ela não existe porque o olhar é filtrado pelos sentimentos que são associados ou despertados pelo que vemos. O olho é sempre engajado, e é melhor que seja pelas lentes da estética e da emoção.

Ter uma multiplicidade de referências estéticas complexas permite ver o mundo com uma riqueza e um refinamento que ele talvez nem possua concretamente. Este olhar educado apreende com mais profundidade as diversas harmonias que existem entre as coisas, muitas aparentemente banais. E se você sempre busca ao seu redor elementos fotografáveis, esta percepção matizada torna o simples ato de “ver o mundo” algo muito prazeroso e estimulante. Olhar o mundo através de uma lente agora já não falseia a realidade, mas a enriquece, elabora, purifica e aperfeiçoa.

A arte consiste em recriar o mundo, e não em imitá-lo. E a fotografia nos induz ao engano com muita facilidade, pois finge documentar a realidade, mas a composição de luz, ângulo, cores e planos na verdade a recria. A fotografia aparenta ser um retrato da realidade quando é técnica e abstração: uma arte que finge ser apenas reprodução.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Ofensa e Olvido

Sempre me acreditei partidário do “I forgive but I don´t forget” nas vezes que fui profundamente ultrajado ou ofendido. Perdôo pois não guardo rancor nem fico com maquinações: mastigo, engulo e digiro o mal feito a mim - e vida que segue. Mas não esqueço, pois se a oportunidade surgir, darei o troco, nem que demore 25 anos. Já me disseram que este é meu jeito de afirmar minha dignidade. Creio que sim.

Não sou de acreditar em coincidências, mas esta semana, na mesma terça-feira, encontrei-me com duas pessoas que me desrespeitaram muito; um no campo profissional, outra no amoroso. Um não dirigi a palavra, e não vou nem me dar ao trabalho de ir cuspir no seu caixão, até porque não gosto de pegar fila; a outra sentei e conversei, pois ela pareceu-me sinceramente arrependida, e zerar contas com alguém arrependido não carece de tanta grandiosidade: é relativamente fácil e deixa todo mundo feliz.

Pessoas diferentes, situações diferentes, uma só constatação: eu havia esquecido completamente o mal que eles me fizeram. Esquecido não no apagado da memória, pois se busco as lembranças, eu as encontro. Digo esquecido mas é na emoção, este vasto depositário de vivências, e o lugar que importa, porque é nele que se estabelecem o recalque, o trauma, a dor. Não falar com um e falar com a outra significaram o mesmo: eu não estou mais disponível para apanhar e sou sujeito dos meus atos e das minhas emoções. Sentir-se sujeito é descobrir-se livre, já que ser objeto de uma maldade nos dá a sensação de impotência e inferioridade (e suponho que o contrário, ser o seu agente, dá as sensações inversas de poder e superioridade; daí talvez o seu apelo para os fracos de espírito).

Aqui tomei consciência de meu erro: “eu perdôo mas não esqueço” não funciona, pois a espera do revide não nos recupera a dignidade. Esta não se conquista com a vingança, mas com o olvido, completo e verdadeiro.

domingo, 14 de novembro de 2010

Chaves

A verdadeira chave para abrir a mulher não é a que a leva para cama, pois esta intimidade física, a depender do grau de carência feminina, às vezes só necessita de ombros largos e uma conversa de pé de ouvido.  A chave válida é aquela que a faz se revelar como pessoa e como mulher, complexa e paradoxal, desvelando a sua intimidade emocional profunda.

E você nota que a fechadura foi aberta quando ela, desconcertada, se percebe vulnerável; e meio perdida - meio maravilhada, descobre que estar indefesa pode ser muito bom.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

Sonhar, Viver, Sentir

Para o hinduísmo, o estado mais verdadeiro que vivemos é o sonho, pois é ele que nos liga ao mundo transcendental e que nos comunica com o infinito, saindo da materialidade mesquinha do dia-a-dia. O que nós chamamos de realidade, a vigília, para eles representa Maya, a ilusão.

Não cheguei a tanto, mas nos últimos tempos tenho valorizado bastante o Sonho. Não é apenas a evidente constatação de que o sonho influencia a vigília e vice-versa. Como quando o sonho lembrado define o estado de espírito de seu dia. Ou quando você vai dormir com um problema e sonha com ele. É a realização de que ambos são estados da mente igualmente autênticos e verdadeiros.

Para princípio de conversa, é muito simplório considerar a realidade desperta como a única válida somente porque podemos tocá-la: isto é coisa de gente materialista sem imaginação. Uma vez eu estava sonhando que voava sobre Florença, em um entardecer deslumbrante cheio de silêncio e cores. Percebi que sonhava e diante de tanta beleza e da sensação de liberdade infinita, pensei dentro do sonho: “se voar assim em sonho é tão bom, vou acordar para usufruir desta sensação na realidade, que é muito melhor”. Abri os olhos, percebi o teto e me disse: “seu e-s-t-ú-p-i-d-o, idiota: imbecil!”.

Ultimamente tenho aprendido muito com meus sonhos. Óbvio que não sou nenhum Kekulé, o químico que descobriu o formato do benzeno quando sonhou uma cobra que mordia o próprio rabo. O que eles têm me contribuído é de ordem emocional. Tive uns diálogos absolutamente plausíveis, que de tão concretos hoje os considero parte da minha experiência vivida, até porque não tinham nada de onírico ou fantástico. Neles eu conseguia interferir no desenrolar do sonho, escolhendo e pensando o que dizer, como se eu estivesse tendo conversas banais. Só que não eram banais: eram conversas que nunca tive com pessoas com as quais nunca mais falarei. Disse o que queria, fiz o que era preciso, e vi atitudes que sempre intuí que existiam, mas nunca havia presenciado. Alma apaziguada. Ponto final.

Agora, depois destas experiências, vejo que o sonho é de uma concretude emocional tão grande que posso assimilar este estado como tão objetivo quanto estar acordado. E isto serve também para sonhos mais descabelados e fabulosos, porque o que interessa não é o contexto ou a lógica (se bem que às vezes a falta de lógica é o melhor deles...). Meus sonhos são reais, pois eu os sinto. Logo, existem. E verdadeiramente eu compreendo que vivi aquilo, incorporando as emoções sentidas e fazendo-as parte da minha experiência de vida.

Eu acho sem graça buscar explicações para os sonhos. É empreitada demasiado racional, que esteriliza o potencial de enriquecer nossa vida com imagens ricas demais, complexas demais, metafóricas demais. Melhor sentir os sonhos que interpretá-los; deixo esta tarefa para os psicanalistas. Prefiro sê-los.

domingo, 17 de outubro de 2010

O fim do Tédio é o início da Vontade

Foi-se aquele tédio pessoano do “desgosto íntimo e espiritual da variedade e da incerteza do mundo”.

Imerso integral e amplo aberto ao impacto do mundo. Delícias e dolores proporcionados por viver nele, dele e com ele.

Já acho, também pessoanamente, que “para quem age, a oportunidade é um episódio da vontade”, pois a oportunidade só existe se aproveitada, e para realizá-la é preciso gana e impulso. Viver, e não apenas deixar-se levar pelo existir. E, baseado nessa vontade, deixar marca no mundo.

E a vida, paradoxal, confusa, contraditória e caótica, é justo a massa amorfa com a qual modelamos nosso destino.

domingo, 10 de outubro de 2010

Diálogos Verídicos

Wit : a natural aptitude for using words and ideas in a quick and inventive way to create humour (New Oxford Dictionary)

- Ai, meu namorado sempre pede o mesmo prato, em todo restaurante que vamos!
= Quer dizer que ele consegue comer a mesma coisa, sem enjoar, todo dia?
- Pois é!
= Casa logo com ele, minha filha, homem assim é para vida inteira!
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(na entrevista de emprego)
- Você já me disse 3 qualidades suas. Me diga agora 3 defeitos.
= Olha, eu não me lembro de nenhum agora, mas liga para minha esposa que ela vai te dizer vários.
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- Viu só, meu irmão, mesmo sendo muito mais velha que nossa prima adolescente, eu ouço as mesmas músicas que ela. Gosto de T-O-D-O tipo de música!
= Devo admitir que sou mais limitado que você: eu só gosto de música boa.
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- Chefe, tá aqui o currículo de uma amiga minha, ela é excelente profissional, mas já aviso que não é bonita.
= Saulo, acho que você está enganado: se beleza para mim fosse critério, eu não tinha contratado você...
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(na imigração)
- Motivo da viagem?
= Turismo.
- Possui família neste país?
= Não, não possuo.
- Tem certeza?
= Até onde sei, tenho certeza, sim. (as far as I know, yes, I´m sure)
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- Então você não gosta dos Titãs, né?
= Olha, eu não gostava deles nem quando eles eram bons.
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- Eu, como sua médica, tenho de alertá-lo que excesso de bebida danifica os seus neurônios!
= É mesmo? Que bom!
- Como assim?
= É que isto me facilita viver em sociedade...
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- Nossa, os apartamentos aí no Rio estão muito caros! Porque você não compra um aqui em Salvador?
= Olha, eu até pensei nisso, mas desisti porque o trajeto de casa para o trabalho ia ficar muito longo...
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- Você fuma demais! Por que, hein?
(“Ai que saco, mais uma que vem com essa”)
= É porque cigarro causa impotência.
- Você é doido?!?
= Não, é que sou insaciável na cama e nenhuma mulher me aguenta, por isso decidi fumar para ver se diminuía meu “entusiasmo”.
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- Então você se acha mais inteligente que todo mundo?
= O mundo todo, não. Acho que deve ter uns 3% da população mundial que é mais inteligente que eu.

domingo, 3 de outubro de 2010

Liberdade e Responsabilidade

É comum se pensar que ser livre é ser irresponsável e inconsequente, e é evitar tomar decisões.

Pelo contrário: quem não é capaz de se decidir acaba que a vida decide por ele. E as consequências de nossos atos existem e nos afetam, mesmo que não se queira pensar nelas. Por isso o indeciso inconsequente torna-se vítima das circunstâncias, e deixa assim de ser dono de seu próprio destino.

Somente é realmente livre quem não age com a má-fé de culpar os outros, e toma para si a responsabilidade do que acontece consigo mesmo.

Pois, ao fim e ao cabo, usufruir de nossa liberdade é saber jogar com a mão de cartas que a vida nos dá.

domingo, 26 de setembro de 2010

Alguns Provérbios Revisitados

“A cavalo dado não se olha os dentes”, disse o rei de Tróia.

‎”Aqui se faz, aqui se paga”. Mas tem gente com a dívida tão alta que só vai conseguir quitar na próxima encarnação.

“Quem com ferro fere, com ferro será esquecido.”

“Seguro morreu de velho”. Será que viveu?

“Um dia a casa cai”. Mas nem sempre na cabeça de quem a gente gostaria.

“Burro calado passa por sábio”, e é até promovido.

“A justiça é cega”; o amor também.

“Quem planta, colhe”: se bem que às vezes a gente planta jasmim e colhe urtiga.

“Se conselho fosse bom, a gente vendia”. Me arrependi de ter dado tantos, outro dia alguns me fizeram bastante falta.

domingo, 19 de setembro de 2010

Diálogo das Virtudes Universais

S.: Você é o ateu mais ético que eu conheço!
C.: Afe, por que você diz isso?
S.: Ah, você não acredita em Deus, nem tem nenhuma religião, mas no trabalho você procura ser sempre justo, falar sempre a verdade, ouvir todas as partes antes de julgar, e é transparente em suas decisões. Interessante ser ateu e ser tão escrupulosamente moral.
C.: Engraçado que as pessoas sempre dizem, religiosas ou não: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. Nunca vi desta maneira. Viver sem Deus é mais complicado ainda, impõe muito mais responsabilidades do que ter religião.
S.: Como assim? Se você não tem uma moral dada por um Ser Superior, e portanto não vai para o inferno por fazer coisas erradas, você pode fazer o que quiser na sua vida, ser egoísta, não ligar para ninguém...
C.: Ah, a gente tem de ter virtudes e fazer o Bem, independente de se ter um Deus moral ou não. Já fui “acusado” exatamente disso por uma senhora luterana, uma daquelas alemãs nascidas no interior do Rio Grande do Sul bem conservadoras e rigorosas. Eu disse a ela que ser cristão é muito mais fácil que ser ateu, já que o cristão tem um Deus ao qual ele pode se confessar e pedir perdão pelos seus erros. Mas eu, como não tenho Ninguém a quem recorrer, só tenho a mim como juiz dos meus atos. E devo ser um juiz muito mais rigoroso, porque na falta de balizamento externo, convém sempre pecar por excesso, e não por falta. Por isso, eu raramente me perdôo quando erro. E depois, claro que todos nós temos de ter virtudes, pois não se vive em sociedade de outro jeito.
S.: Não entendo o que você quer dizer. O que tem moral a ver com sociedade? Para mim, que sou religioso, a moral é uma só, e independe de nós, é algo que vem de cima.
C.: E para mim a moral é construída pela vida em sociedade, e há virtudes que são universais, mesmo que não sejam absolutas.
S.: Agora você me embaralhou. O que pode ser universal e não ser absoluto?
C.: É simples: para serem absolutas, as virtudes precisam vir de um Deus, único e supremo. Para serem universais, tem de existir em todas as culturas.
S.: Como assim? Uma moral que sirva para todas as culturas? Para o índio e para o sueco? Para o chinês e para o pigmeu?
C.: Exatamente. Há virtudes que toda e qualquer sociedade precisa valorizar, senão ela se desmancha, se inviabiliza. A verdade, por exemplo. Se você não valorizá-la, se você permitir que todo mundo minta o tempo inteiro, ninguém mais vai confiar na palavra de ninguém e acaba a comunicação entre as pessoas.
S.: Mas todo mundo mente, uma hora ou outra. Ninguém consegue ser sincero o tempo inteiro.
C.: Claro, porque ninguém é perfeito. Mas não se pode mentir sempre. Repare que quem é tachado de mentiroso não é mais confiável e “sai do jogo”. E tem outras virtudes importantes: a capacidade de perdoar, pois sem o perdão das ofensas recebidas, e sempre agredindo quem nos ofendeu, a espiral de agressão nunca acaba, e as comunidades se desestabilizam. Por isso se fala em “dar a outra face”, para assim evitar as agressões mútuas eternas. Uma terceira é a gratidão, a base de qualquer troca social: eu lhe faço um favor, você fica grato e me retribui. Não é à toa que no mais profundo círculo do Inferno de Dante eram punidos os ingratos, como Brutus e Judas Iscariotes. A coragem também é uma virtude, porque quem não a tem, o medroso, acaba sendo mesquinho, pequeno, mau. E tem muitas outras ainda, como a tolerância, a paciência e a compaixão.
Para concluir: Não precisamos de nenhum Deus que nos imponha nada de cima, pois viver em sociedade já nos ensina isso. E o jeito de aplicar a moral no nosso cotidiano é a ética: normas de conduta e de agir dentro de uma comunidade. Pois ninguém é ético consigo próprio, mas sempre com os outros, e temos de ter estas qualidades para viver bem com nossos semelhantes. E depois, a mais grandiosa maneira de ser feliz é fazer os outros felizes. Por isso para mim Ética é Felicidade.

Judeca

No nono, último e mais profundo círculo do Inferno de Dante Alighieri está a Judeca, no qual é punido o pior de todos os pecados: o da traição aos benfeitores. Lá é que está sentado Lúcifer, com suas três cabeças representando a impotência, o ódio e a ignorância. Uma de suas bocas morde Judas Iscariotes, e uma outra, Brutus. O castigo para os ingratos é ficar preso no gelo (alguns de cabeça para baixo, outros com as mãos e pés presos) por toda a eternidade.

domingo, 12 de setembro de 2010

What you give is What you get

O mundo se molda e responde a você de acordo com as suas próprias expectativas e demandas, e como você se mostra a ele. Você interage de acordo com seus desejos e recebe o que você quer, mesmo que não saiba conscientemente. Se você dá alegria e disposição, o mundo vai retribuir assim; se você dá agressividade e incompreensão, ele vai lhe retornar isso. Mas de maneira ampla, abrangente, não somente em relações pessoais. Como disse Schopenhauer, nós somos responsáveis por tudo o que acontece conosco em nossa vida. Existe uma cadeia de relações infinitamente complexas entre nós e quem e o que nos cerca (e a qual nunca conseguiremos apreender inteiramente) que permite que as pessoas positivas consistentemente tenham “sorte”, e as pessoas negativas tenham “azar”.

Claro que fatos ruins acontecem a todos, mas a positividade ou negatividade da pessoa é que vai fazer com que aquele ocorrido a impulsione ou a derrube. O impulsionar é devido à força de ânimo e à vontade de aprender. E o derrubar é devido à impotência e à ignorância.

Minha mãe uma vez comentou com o corretor que alugava nossa casa de praia que achava curioso o fato de o nosso vizinho, apesar de ter 2 dobermans ferocíssimos, ter tido a casa assaltada três vezes nos últimos anos. Aí o corretor perguntou: “como o seu vizinho trata os caseiros?”

domingo, 29 de agosto de 2010

Querer ter Poder

Um dos meus alemães preferidos era um homem obcecado com a questão do poder. Nietzsche achava que todo fenômeno natural, social ou humano era motivado pela vontade de potência. De átomos a planetas. De células a seres humanos (ler Schopenhauer demais deve ter feito mal a ele, como certamente fez a mim). Mas pessoas as quais respeito me ajuizam que ele está certo e é isso o que move o ser humano, se não as moléculas. Sei lá.

Admito que na maior parte da minha vida o poder foi um assunto que evitei. Fui ensinado e depois me convenci que todas as suas formas são nocivas, pois reconheço a irredutível responsabilidade de cada um por seus próprios atos, e interferir nesta responsabilidade me parece desrespeito à dignidade. Sempre me furtei, cuidadosamente, a manipular qualquer pessoa, pois isto é tirar a sua humanidade, é torná-la objeto. Vivia e vivo me ferrando solenemente com esta atitude, como por exemplo quando minha primeira paixão de adolescência (a segunda foi ano passado) ficou indecisa entre eu e um amigo. 14 anos, eu tinha. Deixei-a escolher, mas o André não partilhava destas sutilezas morais, e talvez ela tenha interpretado minha inação como desinteresse, quando era respeito. Bem, ele ficou com ela, se divertiram horrores e eu fiquei com cara de panaca. Mas um panaca convicto, claro.

Meus amores sempre foram baseados na igualdade. Com 17 minha única contribuição a um livro coletivo da turma foi: “o amor é uma guerra em que não há vencidos nem vencedores”. Todas minhas parceiras entenderam minha proposta e me consumiram com gosto, pois homem que não trata mulher como objeto é artigo valorizado. A única que não captou de primeira foi uma namorada que acreditava que num casal um dos dois é o que manda, e este alguém era ela. Infelizmente para nossa relação, da mesma forma que eu não gosto de mandar, também não gosto de ser mandado. Depois de muita conversa, a fiz perceber que igualdade e negociação são muito mais enriquecedoras que cadeia de comando e ela, mandona porém inteligente, rendeu-se aos meus argumentos. Mas não sem antes termos tido grandiosíssimos quebra-paus e arranca-rabos.

Muitos anos depois, a questão do poder tornou-se inescapável: virei gerente. Eu estava desempregado havia nove meses, e nessas horas se pega o que aparece. Depois de dois anos me adaptando a um papel para o qual não tinha nem vocação nem talento, descobri algo terrificante: eu gosto de ter poder. Me dá prazer influenciar o comportamento das pessoas.

Mas não me interessa o poder de influenciar as pessoas contra a sua vontade. Gosto de fazer com que as pessoas queiram minha companhia por sentir prazer ao meu lado; gosto de ter o poder de contribuir, fazer crescer, desenvolver, despertar. Um poder baseado na negociação, na persuasão e no exemplo ético, e que seja criador, estimulador, energizante. Já o poder baseado na recusa e na intimidação, que é o poder perverso, é estéril e mesquinho, pois fundamentado em sentimentos negativos de medo e temor, na rejeição do desejo, da liberdade e da dignidade. O poder positivo é o que permite a dotação de sentido, o prazer, a troca emocional, o desenvolvimento das habilidades e o respeito à pessoa, como sujeito e ser humano. É este poder que eu gosto de exercer, seja no trabalho, seja no amor.

domingo, 22 de agosto de 2010

Comunione

Sempre gostei muito de estudar dicionários, e de várias línguas, pois considero que esta é uma forma muito enriquecedora de se aprender mais sobre a vida. É paradoxal que o máximo do livresco, do literato pernóstico, da cultura inútil, que é despender tempo passeando por poeirentos depositários de palavras que ninguém usa, possa servir para ampliar a visão prática de mundo de alguém. Mas acredito que a linguagem molda o pensamento, e por sua vez as palavras moldam como vemos o mundo. Sendo assim, entender o significado do que elas dizem pode nos iluminar como apreendemos e vivemos nossa própria vida.

As minhas últimas descobertas no Zingarelli me fizeram refletir muito sobre certas palavras em italiano. Por uma razão ainda não muito clara para mim, a primeira flor do Lácio tem conceitos bastante diferentes das do português para palavras como “viril”, “cínico”e “virtude”. Talvez pelo fato de o povo italiano ter marcado em sua língua toda a herança da cultura latina, e se pensarmos bem, terem uma “civilização” tão milenar como a do japonês, por exemplo. E sem esquecer é claro, sua cultura rica e sofisticada, que nos deu o capitalismo na economia, a perspectiva na pintura e o dó-ré-mí na música. Por isso suas definições me soam mais ricas, mais sábias e mais complexas do que as do Houaiss ou do Aulete.

Mas o vocábulo italiano que me fez pensar realmente em como as palavras não apenas comunicam, mas ensinam, é justamente “comunicação”. “Communicare” em italiano pode ser “comunicar” e pode ser “comungar”, e vem do latim “commune”, que derivou também “comunhão”.

Comunicação, comungar, comunhão, comum.

Comunicação: troca de mensagens. Comunhão: estreita relação psicológica entre pessoas; sintonia de sentimentos, de modo de pensar, agir ou sentir.

Trocar palavras é comunhão. Dois olhares que se encontram e se fixam é comunicação. Um sorriso despertar outro é comunhão. Um abraço é comunicação. Retribuir favores é comunhão.

Fazer sexo é comunicação. Fazer amor é comunhão.

domingo, 15 de agosto de 2010

Na luta do Bem e do Mal

O Mal Sempre Vence, porque em um embate entre o Bem e o Mal, este último sempre usa todos, mas todos mesmo, artifícios a seu dispor. O Bem, por definição, não os utiliza. Por isso sempre perde, pois chega o momento no qual ele não se iguala (não se rebaixa?) às manobras do Outro, e o Mal finalmente atinge seu objetivo. E vence.

Para o Bem poder vencer, ele deve, paradoxalmente, não entrar na peleja; e se afastar o mais possível. Porque o Mal só se realiza lutando contra o que é bom, pois é estéril e destruidor. Mas o Bem se realiza em si mesmo, pois é fértil e criador em suas próprias ações e qualidades. Em outras palavras, o Mal precisa do Bem para ser mau; já o Bem não precisa do Mal para ser bom.

Sem antagonista, o Mal, sozinho e repleto de sua própria impotência, ódio e ignorância, se destrói a si mesmo.

domingo, 8 de agosto de 2010

Soledad y Comunicación

El Yo aspira a comunicarse con otro Yo, como alguien igualmente libre, con una conciencia similar a la suya. Sólo de esa manera puede escapar a la soledad y a la locura.
De todos los intentos, el más poderoso es el del amor. Pero es inútil que lo haga con un robot, o con una prostituta que convierte al amor en sexo mecánico, o con una mujer que obedezca a poderes magnéticos: en cualquiera de esos caso sólo logrará satisfacer sus necesidades sexuales. El cuerpo de los demás es un objeto y mientras el contacto se realice con el solo cuerpo no existirá sino una forma de onanismo. Solamente mediante la plena relación con un sujeto (cuerpo y alma), poderemos salir de nosotros mismos, trascender nuestra soledad y lograr la comunicación. Por eso el sexo puro es triste, ya que nos deja en la soledad inicial, con el agravante del intento frustrado.(...) De ahí que el erotismo exclusivamente sexual aparezca tan frequentemente unido a la violencia, al sadismo y la muerte. No pudiendo llegar a la otra subjetividad, no pudiendo satisfacer su ansia de comunión espiritual, el hombre se venga inconscientemente, desgarrando y odiando.
Se llega así a la paradoja de que la única forma de escapar a la subjetividad total es mediante lo más extremadamente subjetivo que existe: no la razón (que es objetiva) sino la emoción; no mediante la ciencia y las ideas puras sino mediante el amor y el arte. Así se alcanzan esos universales concretos que establecen puentes entre los sujetos.


Ernesto Sábato

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Tipos Humanos (1) - O Sempre Alegre


Quem é sempre alegre encanta e seduz todos ao seu redor. Ele irradia disposição e energia. Nossa, como é bom ter ao lado uma pessoa para quem a vida é uma grande festa, e que está sempre sorrindo e animado e para quem tudo parece ser fácil e belo! Sempre está jogando e se divertindo, já que a beleza é o que importa, o feio não tem vez e a vida é uma eterna brincadeira. Para este tipo de pessoa não existe o trágico, o triste, o infeliz. Quanta leveza, quanta joie de vivre.  Você até se sente mal, de não conseguir ser assim. Dá inveja.


Com a convivência, reparando com mais atenção, você percebe que o sempre alegre tem dificuldade em olhar atentamente, em refletir; ele só vê, por alto, a superfície dos fatos e das pessoas. E nunca se aprofunda em nada, porque isto é aborrecido, e tudo que é chato “é muito chato, sabe?”


E aí você se dá conta que a leveza também é leviandade e que ele não se importa com as consequências dos seus atos, e por isso se revela um profundo (única hora que não é raso) egoísta. E não é porque ele é mau, não; é porque ele só consegue perceber as próprias sensações, se muito. Por exemplo, se um amigo começa a desabafar algum problema, ele declara com um sorriso nos lábios: “você está chato hoje, hein? Não quero sua companhia”. Em qualquer conversa séria, ele muda logo de assunto para, digamos, a cor da camisa.  E como ele leva tudo na brincadeira nem se compromete com nada, a única maneira de se relacionar com ele é também nunca levá-lo a sério.


E ao final você descobre que ele é só um medroso, e sua leveza é a maneira canhestra de não saber lidar com a própria vida.

domingo, 25 de julho de 2010

Feminina Inteira

É a que me acalma só com o olhar, compreensiva;
E me faz chamego quando eu menos espero.

É a que me dá presente bobo quando a gente sai às compras;
E fica perguntando, indecisa, qual vestido mais gostei.

É a que escuta atenta às minhas histórias, nem sempre tão engraçadas;
E a cada uma que é repetida, ela ri de novo.

É a que se deixa embriagar pelos meus beijos;
E oferece seu corpo como se oferece um cálice de vinho bom.

É a que se renova sempre, por ela e por mim;
E celebra nossas pequenas conquistas como se fossem grandes.

É a que espairece minha tristeza com jeito meigo;
E sempre compete comigo, mas só para ver quem faz mais carinho.

É a que sabe ralhar quando erro com os outros;
E sabe perdoar quando falho com ela.

É a que me admira pelo que sou;
E pelo que fui, e pelo que tento ser.

E é a que me desperta sentimentos que nunca vivi,
Me ensinando as emoções que ainda não aprendi.

domingo, 18 de julho de 2010

"Ser": Verbo Transitivo

(...) o homem de saber dizer tem muitas vezes que converter um verbo transitivo em intransitivo para fotografar o que sente, e não para, como o comum dos animais homens, o ver às escuras. Se quiser dizer que existo, direi “Sou”. Se quiser dizer que existo como alma separada, direi “Sou eu”. Mas se quiser dizer que existo como entidade que a si mesma se dirige e forma, que exerce junta de si mesma a função divina de se criar, como hei-de empregar o verbo “ser” senão convertendo-o subitamente em transitivo? E então triunfalmente, antigramaticalmente supremo, direi “Sou-me”.


Fernando Pessoa

domingo, 11 de julho de 2010

John Byng de Portsmouth


É uma das muitas tradições inglesas a de se colocar em bancos estas placas com nomes de pessoas falecidas. Intrigou-me a falta de um estado civil ou ocupação, comum nas outras placas. Quem teria mandado colocá-la? Fiquei pensando em quem teria deixado como lembrança eterna o fato de ser este um homem bom e gentil. Certamente uma mulher. Mas exatamente quem? Por que?

Comecei a imaginar quem teria sido John Byng.

Vejo-o como um homem muito sério e reservado, um pouco calvo, dono de uma lojinha em Arundel Street e casado com uma certa Evelyn, uma inglesa bonita e voluptuosa (raras mas existem; e Catherine Zeta-Jones é do País de Gales!). Ela é bem mais jovem do que ele e imagino que  em pouco tempo de casada logo se entendia da loja durante a semana e dos sorvetes de baunilha no parque de diversões cafoníssimo de Clarence Pier aos sábados. Para dar mais emoção à sua vida, Evelyn começa a conhecer marinheiros que aportavam na cidade e dentre eles o segundo imediato do ferry boat que liga Bilbao a Portsmouth. Depois de alguns meses de affair, foge com ele para a Espanha.

Quem apóia John Byng é Jane, uma sweetheart de adolescência que é apaixonada secretamente por ele desde então. Ela é bibliotecária, sempre vestida discreta, um pouco gordinha e vive sozinha com seus gatos. Eles se encontram frequentemente no Victoria Park e ficam compartilhando sua paixão pela música de Handel e sua admiração pelo teatro de Wilde e de Bernard Shaw. Lá ela algumas vezes pergunta, muito sutilmente, se ele pensa em se casar de novo. John replica sempre com aquela ironia autodepreciativa tão típica dos ingleses (“no momento, o único que posso oferecer a uma mulher são minhas dívidas” ), acompanhada de um comentário mordaz e distante sobre a volubilidade feminina (“e devo admitir que prefiro a companhia delas, pois tudo indica que serão para sempre”). E Jane se recolhe, sempre tímida.

Enquanto isso, o espanhol se cansa do egoísmo visceral de Evelyn, para quem é um direito natural de toda mulher bonita receber tudo e não dar nada em troca. Em uma noite de mais uma briga, ele perde a paciência e a convida a sair de sua vida.

Evelyn regressa à Inglaterra, humilhada. Vai à casa dos pais, onde é mal recebida. Ela então se muda para Southampton, a alguns quilômetros dali, e sua vida no outro porto é preenchida por marinheiros e uísque. Numa noite de profunda embriaguez, no meio das brumas da névoa salgada e do álcool, a lembrança dos sábados em Clarence Pier a enchem de ternura e nostalgia, e não acha mais aquilo tudo cafona. Finalmente amadurecida, ela realiza que está pronta para retribuir o afeto de seu marido. E chora, de lágrimas verdadeiras, mas já é tarde demais...

Uma tarde John não aparece no parque. Jane se alarma e vai à loja dele, onde pela janela o vê caído no chão, com a mão sobre o coração. Infarto.

Depois do enterro, Jane então manda colocar esta placa no banco onde passaram tantas horas felizes, único sinal da paixão pelo homem que mais amou na vida.

domingo, 4 de julho de 2010

Não dá para entender tudo na vida

Sempre dediquei muito do meu tempo a extensas reflexões filosóficas em busca da Verdade. E depois destes anos todos, o único que posso afirmar com total segurança é que há fenômenos que escapam a toda compreensão humana. O que se passa na cabeça das mulheres, por exemplo.

Na verdade desisti de entendê-las quando eu tinha uns 23 anos, por aí. Na época eu arrastava asa por uma holandesa que era contraditória no jeito que me tratava. Consultei uma conselheira insuspeita, minha prima mais velha, cujo veredito foi direto e enfático: “primo, tem coisas que faço que nem eu mesma sei o porquê”.

Mas por outro lado, as mulheres também afirmam não entender os homens. E deve ser verdade, pelo tempo que gastam nos dissecando nos gestos, expressões e palavras. O que me causa espanto, porque não consigo compreender qual a dificuldade de ler seres tão básicos como os homens, dotados ao mesmo tempo de uma lógica tão óbvia e de necessidades tão simples (a saber: futebol, cerveja e sexo, com pequenas variações e acréscimos). No fundo, elas nos anseiam mais complexos do que realmente somos, pois não querem admitir que seu objeto de desejo (e de admiração, não se pode amar o que não se admira) é tão primário. Minto, há algumas que entendem como os homens pensam e agem: este tipo de mulher é chamado de “lésbica”.

Mas pelo que ouço dizer dos que reclamam, mulheres são paradoxais, confusas e às vezes irracionais. Um amigo meu chegou ao ponto de declarar: “eu só gosto de mulher porque a outra alternativa é inviável!”. Eu mesmo não me queixo. Afinal, sigo o ensinamento de mestre Bob Dylan: “não critique o que você não pode entender”. Tem dado certo.

(E pensando bem, ao final as mulheres não são tão complicadas assim. Por exemplo, a holandesa na verdade gostava da minha atenção, mas não gostava de mim).

domingo, 27 de junho de 2010

Me Desculpe-Me ...

O perdão mais difícil de ser concedido é aquele pelo mal feito a si mesmo.

É a decisão mais inteiramente só.

Você tem de admitir, com sinceridade absoluta, que o único responsável é você, somente você, e nenhuma outra pessoa.

E nesse momento você é vítima, réu, juiz e carrasco de si mesmo. E não há nada, nem Deus nem ninguém, entre você e sua consciência.

domingo, 20 de junho de 2010

As comadres do Guadalquivir

Depois de um passeio pelo rio que corta Sevilha, me sentei numa praça ali perto, cheia de velhinhas espanholas e algumas crianças. Um lugar sossegado e acolhedor, no final da avenida de la Constituición. Duas senhoras que por ali andavam me olharam, riram e falaram en passant comigo algo que não entendi, numa língua que não compreendi. A minha sensação foi de inadequação, que me ocorre no estrangeiro sempre quando me apontam. Seria uma praça somente para idosas espanholas, e não recomendado para marroquinos de meia idade? Seria inapropriado abrir sacos com lanche de turista sem dinheiro? Não percebi desaprovação na velhinha ao meu lado, que plácida acompanhava a cena. Afinal, elas passaram rindo, e pensando bem, foram até amistosas. Perguntei à minha colega de banco o que elas haviam dito; tampouco ela entendeu, pois espanhol não era. Deixei para lá e peguei meu sanduíche.


Não deu dez minutos e elas voltam, me olham, gesticulam e passam rindo alto. A crise de identidade surge, repentina. ¿Que pasa? Fui tomado por um ator de cinema turco? Por um fugitivo romeno? Quem realmente sou, que velhinhas joviais abordam em praças de Sevilha em língua incompreensível?


Subitamente ansioso, supero minha timidez e puxo conversa com a velhinha ao lado. Era paraguaia e falava algo de português, pois havia morado em São Paulo. Identifico-me, conto um tanto de mim e da minha história, faço-a rir (“depois de viúva a senhora não se casou por desinteresse ou desilusão?”). Volto a sentir-me, concreto. Levanto e vou visitar La Giralda, desafogado.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Menos que isso não consigo...

Quando desejo uma mulher, não é só de seu corpo, é também de seu gozo, seu sorriso, suas lágrimas e sua tristeza. Desejo-a humana.

Quando quero uma mulher, não me interessa tê-la em parte: a almejo toda, plena, irrestrita. Quero-a inteira.

E quando amo uma mulher, todas as mulheres, de todos os tempos, são ela. Amo-a Absoluta.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Afeto no Condicional

Houvesse respeito, não haveria desprezo;
Houvesse amizade, não haveria traição;
Houvesse vontade, não haveria fraqueza;
Houvesse atração, não haveria recusa;
Houvesse troca, não haveria competição;
Houvesse admiração, não haveria raiva;
Houvesse entrega, não haveria medo;
Houvesse amparo, não haveria ausência;
Houvesse grandeza e generosidade, não haveria mesquinharia nem vaidade.

Que haja amor.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Há males que vêm para bem

Estas palavras de Fernando Pessoa já me pertenceram:

"Entre eu e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar."

Hoje, digo:

Espatifei o vidro com um murro. Machucou-me a mão, o sangue brotava. Lambi minuciosamente o ferimento; ao final a minha saliva estancou-o.

Fica a cicatriz, marca de meu ato de coragem, impetuoso mas não desatinado.

domingo, 30 de maio de 2010

O Nome Falso e o Sonho Verdadeiro

A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que não lhe compete, e depois sonhar sobre o resultado. (...)

Manufacturamos realidades. A matéria-prima continua sendo a mesma, mas a forma, que a arte lhe deu, afasta-a efectivamente de continuar sendo a mesma. Uma mesa de pinho é pinho mas também é mesa, Sentamo-nos à mesa e não ao pinho. Um amor é um instinto sexual, porém não amamos com o instinto sexual, mas com a pressuposição de outro sentimento. E essa pressuposição é, com efeito, já outro sentimento.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O conhecimento holístico

O pensamento racionalista ocidental baseado na objetividade radical já mostrou sua incapacidade de explicar o mundo de maneira satisfatória. Dos grandes pensadores, Nietszche e Freud foram os primeiros a dar o grito. Os anos 60, que nos legaram o ambientalismo e o gosto pelas religiões orientais, foi o grito das massas (pelo menos das esclarecidas).

Agora a busca do Absoluto passa pelo holismo e pela apreensão do todo. Pela síntese da interligação de todos os fenômenos, e não pela análise (“quebra em partes”, em grego) do método científico. Pois por muito tempo confundiu-se a eficácia técnica das ciências exatas com poder explicativo de todas as coisas. Porém, este poder foi desmoralizado pelo princípio de Heisenberg, pelo reconhecimento da natureza dual (partícula e onda) da luz e pelo caráter probabilístico da mecânica quântica (Deus joga dados, sim, apesar do que bradou a frustração de Einstein).

Mas até agora o pensamento ocidental foi incapaz de apresentar uma filosofia que defina esta síntese. Algumas tentativas têm sido feitas, como a Teoria de Gaia, ou a noética versão século XX. Mas elas têm sido infrutíferas, principalmente porque padecem de um mal fundamental: a aspiração da respeitabilidade. Esta exige que estas tentativas se submetam aos cânones ainda predominantes do pensamento científico. É uma contradição insolúvel, com a noética, por exemplo, tentando uma conceituação única de “consciência”; ou Jung e sua Sincronicidade, tentando tornar científico a “interligação de todas as coisas” com estudos estatísticos de adivinhação de cartas à distância. Parece-me que se fica tentando teorizar o inapreensível e conceituar o inconceituável.

Pois a apreensão do Todo é tarefa impossível com os sentidos que temos e os conceitos que somos capazes de criar. As religiões mais sofisticadas têm um corpus estruturado com milênios de decantação que buscam transmitir o transcendente e o “más allá” da consciência humana. O budismo, que conheço pouco, e o hinduísmo, que já li algo, parecem oferecer textos que ajudam a esta compreensão do todo. Alguns textos hindus têm uma tal quantidade de superlativos, hipérboles e repetições ad nauseam que criam uma impressão estética de complexidade, paradoxo e vastidão tão imensamente enormes de grande que transmitem a sensação de como o cosmos deve ser mesmo: tão intricadamente desmedido que se torna absurdo à mera conceituação humana.

Mas são impressões, sensações e percepções mentais, não teorias ou arranjos filosóficos estruturados. Daí minha certeza ultimamente que da ciência mesmo não vai sair nada mais de interessante, além de sua própria contestação. Vale mais a pena se dedicar a entender a apreensão da realidade total como nos propõem as religiões orientais. E para quem não tem muito gosto para deuses, moral absoluta e rituais, sempre podemos acrescentar a estética e principalmente a literatura. E é claro, o exercício do paradoxo.

domingo, 23 de maio de 2010

Para ajudar a interpretar a vida

Humor, para relativizar os momentos difíceis
Metáfora, para assimilar o incompreensível
Paradoxo, para admitir que somos contraditórios
Absurdo, porque a vida é irracional
Estética, para transcender o material por meio da experiência do belo.

sábado, 8 de maio de 2010

As Cores

O sofrimento é roxo; a felicidade, azul.

O ódio é púrpura, o amor, verde.

A maldade é marrom; a bondade, amarela.

A raiva é vermelha; a paixão, laranja.

A vida é branca.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Pessoinhas

Há pessoas que convém evitar.  Nossas mães sempre nos avisaram sobre eles, mas normalmente acabamos sob sua má influência, pois estamos próximos a eles no trabalho e na família. Às vezes até chegamos perto, pois eles têm lá suas qualidades que nos atraem. Afinal, ninguém é totalmente ruim.

São os famosos “vampiros”, aqueles que a gente convive normal e inadvertidamente, mas com o tempo nos consomem a energia vital, através de pequenos gestos do cotidiano que minam nosso bem-estar. E quase sempre nem percebemos a fonte do Mal.

São eles:

- Os fúteis, pois pessoas vazias não têm alma, e querem tomar a dos outros;
- os superficiais, pois só vêem, não olham; e fingem viver, amar, sofrer;
- Os desdenhosos, pois humilham os outros para se sentir grandes;
- Os levianos, pois não respeitam os sentimentos dos outros;
- Os egoístas, pois as sementes ali plantadas não frutificam;
- Os medrosos, pois negam o próprio desejo;
- Os mesquinhos, pois recusam o desejo do outro;
- Os vingativos, pois eternizam o ódio;
- Os infantis, pois querem só receber e nunca dar;
- Os competitivos, pois acham que só ganham quando os outros perdem;
- Os manipuladores, pois têm prazer em jogar com os sentimentos dos outros.

domingo, 11 de abril de 2010

Pergunta de Gente Jovem

Fui perguntado por uma garota dos seus 20 e alguma coisa, qual a conclusão, nos meus 42, de se ter lido tantos livros e ter essa cultura toda. Fiquei aturdido com a simplicidade e ao mesmo tempo com a envergadura da pergunta, ainda mais feita na calçada de um boteco sábado à noite. Falei algumas vaguedades professorais que logo a decepcionaram e outros assuntos rapidamente já interessavam...a ela. Pois eu fiquei pensando.

Pensei que nunca tinha refletido sobre isso, pois esta sede sempre existiu em mim, desde sempre. Sede de saber e sede de aprender. Pensei mais um pouco e me esclareci que buscar cultura está relacionado a conhecimento, arte, gosto, curiosidade. É uma maneira de refinar o gosto, de apreciar melhor a arte e entender mais sobre a vida.

E percebi que tentar ser culto é importante para conhecermos: mais de nós mesmos, mais das pessoas à nossa volta, mais da sociedade em que vivemos. E para desenvolvermos nossa própria opinião. E para estimularmos nossa mente com desafios, interpretações, possibilidades outras. Mas a cultura também traz prazer estético, sensorial, que se adquire e se desenvolve. E é uma forma de experimentar e vivenciar o mundo, e tornar o seu desfrute uma experiência mais rica, complexa e intensa.

O conhecimento e a estética dão poder e dão prazer; poder de saber, de conhecer. E prazer de ver o mundo de diversos modos e não um só. Saber pelo saber, sem utilidade, apenas para satisfazer a curiosidade de como as coisas funcionam. E prazer de viajar por outros mundos, de experimentar outras vivências, de incorporar em si mesmo as experiências de outras gentes e outras culturas.

Pensei nisso tudo muito rápido (ou muito demorado, não sei). Então despertei e percebi que a conversa já estava em marcas de cerveja. Interrompi-os e disse a ela:

“Voltando à sua pergunta, adquirir cultura é buscar conhecimento, e esta busca não tem fim. Além disso, gosto de supor que estou no meio da minha trajetória de vida e por isso, não vou concluir nada justo agora, aos 42 do primeiro tempo”.

domingo, 4 de abril de 2010

sábado, 3 de abril de 2010

El Conocimiento Poetico

Si conocer alguna cosa supone siempre participar de ella en alguna forma, aprehenderla, el conocimiento poetico se desinteresa considerablemente de los aspectos conceptuales (...) de la cosa y procede por irupción, por asalto e ingreso afectivo a la cosa.
Júlio Cortázar

quarta-feira, 31 de março de 2010

Alto Astral

Agora sou como um corpo celeste exposto ao sol e aos cometas (já que não há um sem os outros). 

Confiante, abro meu mundo e me abro ao mundo e vivo e sofro e admiro e usufruo a vida sob a luz da estrela da emoção.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Auto Retrato



Jardim Botânico, passeava distraído.

Inusitado, me reconheci no banco: fotografei.

Vi nele o tempo de contemplar, escrever, meditar, namorar, ler, observar.

Um espaço vazio, e por isso pleno de potencialidades do viver.

Assim me sinto.

terça-feira, 16 de março de 2010

Resenha de "A Tempestade" de Shakespeare

Duque espoliado pelo próprio irmão chega em uma ilha, aprende uns truques vagabundos de magia e com isso engana os nativos, rouba suas terras e os escraviza.

Depois ele se delicia horas sacaneando seus inimigos, casa a filha com o filho de um deles, perdoa todo mundo e volta para casa.

Fim

segunda-feira, 15 de março de 2010

Manera sencillísima de destruir una ciudad



Se espera, escondido en el pasto, a que una gran nube de la especie cúmulo se sitúe sobre la ciudad aborrecida. Se dispara entonces la flecha petrificadora, la nube se convierte en mármol, y el resto no merece comentario.

Júlio Cortázar
(texto inspirado em La Bataille de L'Argonne de René Magritte).

sábado, 6 de março de 2010

quarta-feira, 3 de março de 2010

Presente de Tróia

Fui presenteado por uma moça bonita, mas não conseguia abrir a caixa. Depois de muito penar e sofrer e quase desesperar, fiz um furinho. Espiei e percebi que dentro não tinha nada.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Agilulfo e o Budismo

Conheci Agilulfo de Corvalha no lançamento de um livro de F., um amigo em comum. O F. é um tipo bem carioca, pois ser amigo ao mesmo tempo de Agilulfo e de mim requer um jogo de cintura político, de estar bem com todo mundo, que só uma ex-corte imperial pode gerar.

Bem, Agilulfo é já um viúvo, muito sisudo e compenetrado. É um tipo conservador, católico e temente a Deus, apesar de reclamar muito com Ele sobre a corrupção na política e nos costumes. E o fato de morar em Copacabana dá munição diária e permanente para suas solenes vituperações sobre o fim iminente de toda moral cristã. Mas ele é inteligente e interessado em livros, e gosta de um bom debate intelectual. Isto que nos uniu.

Depois daquele lançamento praticamente nunca mais nos encontramos; vimos de imediato que nossas visões de mundo diferiam irredutivelmente. Mas naquela noite percebemos que nos respeitávamos como adversários, e iniciamos uma correspondência por e-mail, apesar da sua ojeriza a novas tecnologias. Postei uma de suas indignações mais virulentas neste blog, em “Campanha Cidadã”.

No entanto, temos alguns gostos pessoais em comum, como Jorge Luis Borges, por exemplo. Esta semana ele me mandou um e-mail especialmente colérico. Percebe-se no texto a sua angústia de admirar literariamente um ateu, e ele me explicou que estava lendo um livro de Borges sobre Budismo no qual ele não perdoava duas passagens em especial:

“Deus não pode ter feito o mundo por interesse, porque não necessita nada; nem por bondade, pois no mundo há sofrimento. Logo, Deus não existe”.


“Se Deus quer suprimir o mal e não pode fazê-lo, é impotente; se pode e não quer, é malvado; se não quer nem pode, é ao mesmo tempo malvado e impotente. Se quer e pode, como explicar a presença do mal neste mundo?”

Fui correndo comprar o livro e estou, ao contrário de Agilulfo, me encantando com o texto. Descobri por exemplo, que a primeira passagem é um texto do Sankhya, uma escola filósofica ateísta influenciadora do Budismo. E descobri também que a Índia, apesar de tantas religiões e tantos deuses, têm uma larga tradição neste tipo de filosofia sem Deus.

O Agilulfo vai ter de aguentar ainda mais essa....

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Por isso que eu sempre gostei das mulheres

Ainda nesta linha de combate ao excesso de razão, ofereço um texto do meu filósofo de cabeceira, pela voz de uma personagem da peça "Uma Mulher sem Importância":

"MRS. ALLONBY: Man, poor, awkward, reliable, necessary man belongs to a sex that has been rational for millions and millions of years. He can't help himself. It is in his race. The History of Woman is very different. We have always been picturesque protests against the mere existence of common sense. We saw its dangers first."

O.W.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A Força da Água


Na manhã chuvosa de hoje acordei cedo para explorar sozinho a floresta e visitar as cachoeiras que me neguei tanto tempo em conhecer, por enfado com a vida e comigo mesmo.

Lá, na solidão absoluta do contato com as árvores, pedras e águas, tive uma epifania. Me senti integrado ao mundo, o reconheci meu mundo pois me intuí seu elemento e partícipe. 

Deitado desnudo e envolvido pela água doce e fria, me deslumbrei com as gotas de chuva que caíam lentas sobre mim. Ri. Gargalhei. Feliz como uma criança diante da revelação de se descobrir vivo e forte e pleno e poderoso.

(O que direi soará um pouco místico, quiçá religioso; e sem dúvida surpreendente vindo de um ateu empedernido como eu)

Percebi que vivencei, sem intenção, um ritual de crescimento da minha vitalidade e potência. Através da comunhão solitária com a natureza e do sentimento de integração com o TODO. 

Saí mais convicto de mim mesmo. 

Para mais fotos.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Manual de Criatividade para Mentes Obtusas

Quando eu trabalhava numa grande empresa de capital finlandês chamada Lumière, eu tive um chefe com o qual eu tinha algumas diferenças de ordem, para dizer o mínimo, filosófica. Ele era o tipo que não se satisfazia em ser superior hierárquico, e se incomodava em não ser superior no resto. Obviamente que era tarefa impossível ser melhor e maior em todas as características humanas e profissionais de uma equipe heterogênea de 10 pessoas. E isto o consumia profundamente, como ocorre com tudo o que é desejado mas inatingível.

Comigo era a criatividade, pois em uma avaliação que considerei séria, eu o pontuei altíssimo em controle e baixo em criatividade. Ele ficou furioso, e argumentei com toda a lógica que era impossível uma pessoa ser extremamente controladora e altamente criativa ao mesmo tempo.

Acabei tendo de, por meses, ouví-lo com ares soberbos o quanto ele era criativo e eu não, com os exemplos mais estapafúrdios de sua pretensa inventividade. Como não poderia diretamente contestá-lo nisso também, já que eu o fazia em quase todo o resto, em uma noite de (muita) impaciência escrevi um pequeno manual de criatividade para lhe entregar.

Evidente que não o fiz; mas achei-o outro dia nos meus escritos antigos, e percebi que não havia perdido nem atualidade nem utilidade. Segue-o para usufruto dos meus quatro leitores.

Manual de Criatividade para Mentes Obtusas (2)

Sugestões de Leitura

Como criatividade é conceituada de diversas maneiras, nesta tarefa eu utilizarei a que eu considero mais interessante e rica de possibilidades, cuja definição é mais ou menos assim:

“Criatividade é a capacidade de se utilizar conceitos de um campo do conhecimento em outro campo do conhecimento, ou seja, a capacidade de se criar metáforas”.

(Por exemplo, Frederick Taylor foi criativo no momento em que comparou as organizações industriais modernas com uma máquina e criou a Administração Científica baseada nesta metáfora).

Além disso, hoje as empresas buscam profissionais generalistas. Tanto é assim que um administrador deve ter conhecimentos de psicologia, sociologia, estatística, matemática financeira, etc, para se desenvolver e ser um bom profissional.

Finalmente, acredito, junto com o filósofo francês Merleau-Ponty, que a língua é a base do pensamento humano. Sendo assim, o domínio dos conceitos de uma língua nos permite pensar com clareza e ajudar no nosso trabalho cotidiano que é fundamentalmente a resolução de problemas de ordem abstrata e simbólica.

Por estas três razões, metáforas, generalismo e domínio da linguagem, eu proponho os seguintes títulos abaixo como uma base de estímulo à criatividade.

Além deles, o curso “Processo Criativo” da Escola de Artes Visuais do Parque Lage oferece uma oportunidade privilegiada de conhecer os impedimentos à criatividade e aprender as estratégias de como estimulá-la.

Leituras básicas

Criatividade no Trabalho e na Vida - Roberto Menna Barreto

Coletânea das aulas do curso de “Criatividade” ministradas na Escola de Comunicação da UFRJ. Texto didático e obrigatório para entender e implementar criatividade.

O Que é Realidade - João Francisco Duarte Júnior

A realidade é relativa e reconhecer isto é talvez o primeiro passo para uma abordagem criativa. A realidade depende do ponto de vista do observador e por sua vez este ponto de vista é construído socialmente, baseado na nossa educação e valores. Este livreto de linguagem acessível apresenta estas e outras questões, e é praticamente um resumo do livro “Construção Social da Realidade” de Berger e Luckmann, leitura bem mais complexa mas fundamental para profissionais e estudantes de filosofia e ciências humanas.

Aprender Antropologia - François Laplantine

O óbvio não é tão óbvio quanto pensamos. Aquela curiosidade natural das crianças e que perdemos quando adultos (“porque o céu é azul?” porque as folhas são verdes?”) é a base para uma mente criativa. O mais interessante é que existe toda uma ciência construída sobre a curiosidade de entender as razões para o “óbvio”. Esta ciência é a Antropologia. Este livro mostra os principais conceitos desta ciência criada no esforço de compreender as culturas não-européias e dá exemplos das suas aplicações em nossas próprias culturas.

Imagens da Organização - Gareth Morgan

Este livro ajuda no entendimento das organizações modernas e de como elas são pensadas. Adicionalmente, ilustra conceituação de criatividade acima definida. Nele o autor analisa a história da “ciência administrativa” e mostra que todas as escolas de pensamento se basearam em metáforas da engenharia, biologia, comunicação, etc., para responder à questão de como as organizações funcionam.

Leituras adicionais

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

Este livro de memórias fictício, que começa com a morte do protagonista e termina com seu nascimento, faz uma descrição bem humorada e cheia de estilo da vida de um quase dândi carioca do final do século XIX. Vale pelo estilo machadiano e pela fina ironia na apresentação das grandes questões humanas: nascimento, morte, sexo, poder e dinheiro.

Grande Sertão: Veredas - Guimarães Rosa

Além do olhar arguto e inteligente (dizem que “seu” Rosa falava 17 línguas) sobre as relações humanas, é uma obra que realiza uma magistral recriação da língua portuguesa, onde ele funde elementos gramaticais e vocabulares de outras línguas com o português culto e arcaico e o falado do norte de Minas. Um clássico genuinamente brasileiro na temática e na linguagem.

Poesias Completas de Álvaro de Campos - Fernando Pessoa

Talvez o mais criativo dos poetas de língua portuguesa, Fernando Pessoa foi alfabetizado em inglês na África do Sul e compunha poemas em português, inglês e francês. Seu talento era tão vasto que criou “heterónimos”, que na verdade são pseudônimos com histórias pessoais próprias e estilos de escrita particulares. Álvaro de Campos, por exemplo, é um engenheiro naval angustiado que busca nas viagens (reais e filosóficas) e na sua insônia crônica um sentido para a vida. Um existencialista avant la lettre.

Jogo de Amarelinha - Júlio Cortázar

Neste livro o escritor argentino nascido na Bélgica e auto-exilado em Paris faz uma bem sucedida experimentação com a linguagem, onde diálogos se intercalam com pensamentos e onde a sequência de capítulos pode ser lida de acordo com a preferência de cada leitor (daí o título). Outro autor com temática existencialista e dentro da tradição do realismo fantástico, e que aprofunda como poucos as contradições e absurdos da existência humana.


Ficções - Jorge Luis Borges

Esta coletânea de contos escrito na década de 40 mostra a injustiça da não premiação de Borges com o Prêmio Nobel de Literatura. Como “inventor” do realismo fantástico latino-americano, Borges constrói estórias com personagens históricos (reais ou imaginários) passadas em lugares como a Babilônia, o deserto árabe ou o império asteca. Daí recria um universo livresco todo particular baseado na sua cultura enciclopédica e seu gosto pela filosofia de Schopenhauer.

Picasso - Edições Taschen

Uma excelente descrição da vida e obra deste gênio magistral cuja vida não foi menos fascinante que sua obra. Nele temos a oportunidade de entender o processo único de interpretação e transformação da realidade visual que ele empreendeu e que revolucionou para sempre a arte ocidental.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Casas de Botafogo (E algo do Humaitá)




Como vários bairros do Rio, Botafogo é frequentemente citado em Machado de Assis. Era onde a burguesia tinha suas casas de veraneio e que ainda hoje se caracteriza pelos sobrados e casas de dois andares do final do século XIX e início do século XX. O bairro não sofreu por exemplo a especulação imobiliária que de certa forma desumanizou Copacabana ou que descaracterizou Ipanema. Suas casas abrigam muitos bares, consultórios e profissionais liberais, o que ajudam a preservar este bairro tranquilo (pelo menos nos finais de semana...).

Para mais fotos, clique aqui.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

El Arte como Forma de Conocimiento

Lo que podemos conocer de la realidad mediante los esquemas de razón se parece a lo que podríamos saber de París examinando su plano y su guía de teléfonos, o a lo que un sordo de nacimiento imaginar de una sinfonía observando la partitura.

Las regiones más validas de la realidad - la más valiosa para el hombre y su existencia - no son aprehendidas por esos esquemas de la lógica y la ciencia. Querer aprehender el mundo de los sentimientos, de las emociones, de lo vivo, mediante esos esquemas es como querer sacar agua con horquillas.

De las tres facultades del hombre, la ciencia sólo se vale de la inteligencia y con ella ni siquiera podemos cerciorarnos de que existe el mundo exterior. ¿Qué podemos esperar de problemas infinitamente más sutiles? La realidad no está solo constituida por silicatos o planetas, aunque buena parte de los hombres de ciencia parezcan creerlo. Un amor, un paisaje, una emoción, también pertenecen a la realidad, ¿ pero mediante qué conjunto de logaritmos y silogismos pueden ser aprehendidos?

El arte y la literatura, pues, deben ser puestos al lado de la ciencia como otras formas del conocimiento. Entre ambos órdenes de conocimiento pueden estabelecerse las siguientes antítesis:

CIENCIA - ARTE

demostración - mostración
por qué - cómo
explicación - descripción
abstracción - concreción
concepto - intuición
universalidad - individualidad

Es natural, por lo tanto, que la nueva filosofia se haya acercado a la literatura: ésta ha sido siempre existencialista.


Ernesto Sábato

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Campanha Cidadã

“VAMOS PROIBIR DE VEZ”

Está na hora de sermos firmes. Não dá mais para aguentar tanta falta de respeito, tanto desatino. Temos de tomar providências duras para que a saúde de nossa sociedade não seja comprometida e que nosso dinheiro seja consumido de maneira irresponsável ajudando pessoas que não querem ajuda. Este mal do século, esta verdadeira chaga social, que extrapolou o problema de saúde pública e já se mostrou um PROBLEMA MORAL.

Explico-me: Estou me referindo ao tabaco. É verdade, minha senhora e meu senhor, os fumantes são uma chaga social e um problema moral. Nem quero me referir ao problema de saúde, ao que já foi gasto em pesquisas médicas demostrando cabalmente, com a força da ciência, que o cigarro provoca câncer de pulmão, de esôfago, de laringe, que provoca infarto do miocárdio, que atrapalha a circulação, que dificulta a cicatrização, que lhes dá mau hálito, que estraga seus dentes, que os deixa impotentes (graças a Deus, na sua infinita sabedoria). Nem vou detalhar os bilhões de dólares, reais, euros e outras moedas menos conhecidas que são gastos todos os anos tratando estes pobres diabos que depois de toda uma vida de dissolução vêm reclamar de nós, pessoas saudáveis e sensatas, que os ajudem a tratar de sua doença maligna. Mas não é para ter pena, não. Ao contrário que Nosso Senhor disse, eles sabem o que fazem, pois desde há muito se sabe que o cigarro mata e aleija. E eles são egoístas e mesquinhos, pois sabem que fazem mal aos outros com sua fumaça putrefata, e que fumando na frente delas ensinam o caminho do vício às nossas crianças frágeis e impressionáveis.

E a propaganda também não funciona. Quanto dinheiro despendido tentando convencer incréus que não é bom fumar. E funcionou? Não. E sabemos o quão poderosa é a publicidade, com sua capacidade de nos convencer de praticamente tudo. Mas com os fumantes nem esta formidável arma de sedução funciona. Porque eles não querem melhorar, eles não querem parar. Por isso, devemos acabar com esta gastança de dinheiro com pesquisas médicas que já provaram o que tinham que provar; devemos parar de tentar convencer quem não quer se convencer.
Adianta mostrar que fumar prejudica a saúde deles? Não. Adianta mostrar que faz mal às pessoas ao redor? Não. Adianta mostrar que são um péssimo exemplo para nossa juventude e nossa infância? Não. Adianta humilhá-los, constrangê-los, tratá-los como cidadãos de segunda classe? Não. Adianta o nosso olhar de desprezo? Não, não e não!!!!

E sabe o porquê, dama e cavalheiro? Por que eles não se importam com a própria saúde, eles não se importam com os outros, eles não se importam nem com a própria honra e e a própria dignidade. Por isso eles são fracos de caráter, são moralmente degradados, decadentes e totalmente desinteressados nas consequências de seus atos doentios.

Sendo eles então um PROBLEMA MORAL, pois fracos de vontade, resta-nos aos saudáveis e moralmente superiores impor a solução final, nossa Endlösung do século XXI. Destarte devemos nós, os fortes de caráter e de coração, sermos firmes e decretar o que eles tem de fazer, pois omissos que são, não querem nem podem decidir o que é melhor para eles e para a sociedade.
Devemos simplesmente proibir o cigarro, tornar o seu consumo um crime. Pois é assim mesmo, colocando-os na cadeia é que alguns servirão de exemplo a muitos. É uma pena na prisão que lhes ensinará a disciplina necessária para deixarem a fraqueza moral de lado e se redimirem. É com o medo da perda da liberdade que lhes mostraremos que não podem mais comprometer a saúde de nossa sociedade com seu exemplo de degradação moral e decadência física.
Veja o exemplo das outras drogas que foram criminalizadas. Os mais novos não saberão, mas a heroína e a cocaína eram vendidas em farmácias até os anos 20. Com a constatação do problema moral e social que elas representavam, foram proibidas com muito sucesso. E vejam o problema social que foi evitado, no momento em que se tornou ilegal seu consumo. Salvamos nossa juventude de uma vida de covardia e pusilanimidade, dando o exemplo de como combater o mal pela raiz. É hora de aplicar a mesma solução ao tabaco.

Podem dizer o que quiserem dos terríveis erros de Hitler (invadir a Rússia pouco antes do inverno, manter as tropas em Calais), mas ele foi um visionário, no momento em que foi o primeiro grande estadista a reconhecer o malefício do cigarro. (Homem de fibra e disciplina, parou de fumar e morreu-se sempre desgostoso do vício de Eva Braun). A Alemanha nazista foi o primeiro país do mundo a proibir o cigarro em lugares fechados e em recintos públicos, e chegou-se até mesmo a proibir os membros da SS e da polícia de fumarem em serviço. Temos de seguir seu exemplo, e combater com entusiasmo este mal nefasto e estas pessoas corrompidas de corpo e de alma. Estaremos fazendo um favor a elas, impedindo-as de algo que elas sozinhas não conseguem.

Já não bastasse a sífilis, este é o outro legado maldito que os primeiros habitantes das Américas nos deixaram, a verdadeira vingança de Montezuma: o tabagismo. É hora de acabar com essa doença iníqua e jogar toda a força da lei contra esta fraqueza decadente que corrói nossa pátria, nossa fibra social e nossa determinação moral.

Agilulfo de Corvalha
Cidadão indignado

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Viver

O olho vê
A lembrança revê
A imaginação transvê
É preciso transver o mundo

Manoel de Barros

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Instruções para matar formigas na cozinha

Quando se vê aquela linha formada por pequenos pontos negros subindo pelo armário e se insinuando na despensa em busca do açúcar nosso de cada dia, é inevitável a sensação de perda. Especialmente quando percebemos nosso salário desaparecendo de maneira tão prosaica, subtilmente roubado por seres tão pequenos e sem racionalidade, tal nossos fiscais da Receita.

A primeira reação é natural, a preguiça nos induz a resolver a dificuldade de uma só tacada, passando a mão do mesmo jeito que um cachorro amoroso lambe seu dono. Nada mais improdutivo. Pois formigas são como sentimentos. Deve-se ser metódico, esmagá-las com o dedo indicador uma a uma, determinada e precisamente, e não deixar nenhuma se furtar ao fatídico plec!. Concentração na tarefa é fundamental. Deve-se iniciar onde a fileira acaba, e não sendo isto possível, se por acaso ela se inscreve por linhas tortas, como Deus, começa-se onde o entendimento termina. Posto isto, o trabalho se torna mais fácil, agora é só uma questão de disciplina, e nisto está o quanto parecidas são as fomigas com os sentimentos, POIS COM DISCIPLINA MATA-SE EMOÇÕES E FORMIGAS. Atenção, aconselha-se cuidado redobrado se o caminho é feito por saúvas, ou o sentimento é por holandesas de olhos claros, pois são seres sabidamente levianos e imprevisíveis.

Findo o massacre, recomenda-se acender um cigarro e cantarolar a Nona de Beethoven em ré menor.

Adendo: O estilo deste texto é "chupado" descaradamente de um escritor muito famoso. Se um dos meus 3 leitores descobrir o livro no qual me baseei, eu enviarei um bouquet de flores ao seu endereço, em qualquer lugar do Brasil (Promoção válida até sábado dia 6 de fevereiro de 2010).

Experimento Científico

Acho que fui abduzido em Pirenópolis e me implantaram um chip de bem-aventurança no meu cérebro. Eu pensei que esta dor de cabeça que estou desde a semana retrasada era aquela cachaça vagabunda que bebi na Rua do Lazer. Intuo agora que eu deva ser objeto de uma pesquisa científica alienígena para provar que um ser humano pessimista, amargo, inseguro e misantropo pode se transformar em uma pessoa otimista, sociável, doce e segura. Tenho lembranças meio vagas de um passeio interestelar perto de Betelgeuse, mas eu imaginei que viagem de ácido era assim mesmo.

Vamos aguardar o final do experimento; saberei que estará terminado quando minha dor de cabeça passar. Acho que vou ligar para o Moulder.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Des-razão

Desde que eu era um animalzinho vagamente racional de seus 40 centímetros eu sempre fui muito curioso; sempre busquei entender a causa e o efeito de tudo o que via a minha volta. Olhava as plantas ou as pessoas, e queria saber por que elas cresciam, ou porque tinha tanta tristeza no mundo. Pensava e pensava e pensava. E depois que me tornei adulto, lá pelos meus 1 metro e 20, percebi que conceituar, abstrair, e traçar paralelos entre situações, pessoas e contextos vinham naturalmente para mim. Nunca fui uma pessoa muito concreta, que entendia por exemplos ou usava a experiência direta para aprender. “O tolo aprende com os próprios erros, o sábio aprende com os erros dos outros”; eu me considerava sábio.

Li em algum lugar que existem três tipos de pessoas, quando se fala em aprendizado da vida. Tem aquele tipo que só aprende por meio da experiência pessoal direta; chamaria este de “vivencial”. Outro tipo é daquele que aprende por meio de exemplos, histórias contadas e circunstâncias reais. Seria o tipo “concreto”. E o terceiro tipo é o que apre(e)nde por meio do conceito e da idéia. Conceitos que se deduzem de uma situação e se aplicam a outras. Idéias generalizadas a partir de vários fatos observados. Este seria o tipo abstrato (ou científico, pois é assim que a ciência se estrutura). Eu me reconheço no terceiro tipo, pois faz parte da minha estrutura mental memorizar abstrações e conceitos, nunca situações, falas e contextos. Eu assimilo e arquivo a idéia e o que eu aprendi, quase nunca as circunstâncias. Claro que todo mundo tem estes 3 tipos misturados, posto que são apenas tipos ideais. Mas cada um tem o seu preponderante. Eu sou abstrato.

Pelo fato de ter uma família disfuncional, minha educação e meu entorno infantil desestimularam outras formas de perceber a realidade. Reprimi minhas emoções e me tornei um autista (nas palavras de uma tia minha) pois não respondia emocionalmente ao mundo, já que tinha criado uma couraça afetiva para me proteger da instabilidade emocional de um alcóolatra agressivo e de uma masoquista pessimista.

Tornei-me o mais racional dos racionais. Foi provavelmente o que me salvou emocionalmente, por mais contraditório que isto pareça. Isto e o afeto de minha família materna, doidos como toda família é doida, mas que me davam nas férias o carinho incondicional e o respeito pela minha situação de criança que me faltavam tanto com meus pais no resto do ano.

Salvou-me porque pude assim preservar dentro de mim o potencial de ter emoções boas e positivas. Obviamente elas ficaram soterradas na amargura vivida, no pessimismo ensinado e na certeza de que a felicidade não existia. Mas elas estavam lá, escondidas.

E lentamente, com o passar dos anos e me relacionando com os amigos e as namoradas, fui aprendendo a dar e receber afeto, e embarquei em um lento e elaboradíssimo esforço, consciente e inconsciente, de me abrir emocionalmente para o mundo. E entender o mundo através da emoção, e não somente e puramente pela racionalidade abstrata.

Li muito. Estudei muito. Raciocinei muito. Racionalizei muito. Filosofei muito. E nunca nada disso me satisfez. Porque eu entendia as pessoas, as coisas, as situações; percebia suas relações, suas consequências, seus resultados, mas eu não assimilava dentro de mim, fundamentalmente dentro de mim. Por que, sendo do tipo abstrato, o concreto e o vivencial estavam bem reprimidinhos na convicção de que a racionalidade era o que nos separava dos animais, e por isso, que o espírito era mais nobre que a carne e a emoção. Que engano. Quantos anos perdidos.

Agora cansei-me da razão. Claro que serei sempre conceitual e abstrato, mas descobri que a emoção é uma depositária muito mais enriquecedora das minhas experiências e que deve ser estimulada e valorizada. Porque mais duradoura; porque mais intensa; e por ser a emoção o que nos dá disposição para viver e ir em frente (ou não). Ela não serve somente para o amar e o sofrer. Ela serve também para impulsionar nossas decisões, profissionais e outras. Quem sempre decide somente com a razão decide mal. As emoções e sua manifestação mais refinada, a intuição, é que nos indicam o caminho. A razão pura, sem emoção, é atroz, é dura, já que por definição carece de sentimento e portanto de humanidade. O que ganhei em ser absurdamente racional? Amargura, cinismo, desconfiança e melancolia.

Valeu a pena? Não: estou em outra. Oxalá.