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Foto: Mariana de Carvalho. Oxford, Abril 2010

Oscar Wilde

Oscar Wilde de Hoje (e Sempre)

"a man who moralizes is usually a hypocrite, and a woman who moralizes is invariably plain"

domingo, 25 de julho de 2010

Feminina Inteira

É a que me acalma só com o olhar, compreensiva;
E me faz chamego quando eu menos espero.

É a que me dá presente bobo quando a gente sai às compras;
E fica perguntando, indecisa, qual vestido mais gostei.

É a que escuta atenta às minhas histórias, nem sempre tão engraçadas;
E a cada uma que é repetida, ela ri de novo.

É a que se deixa embriagar pelos meus beijos;
E oferece seu corpo como se oferece um cálice de vinho bom.

É a que se renova sempre, por ela e por mim;
E celebra nossas pequenas conquistas como se fossem grandes.

É a que espairece minha tristeza com jeito meigo;
E sempre compete comigo, mas só para ver quem faz mais carinho.

É a que sabe ralhar quando erro com os outros;
E sabe perdoar quando falho com ela.

É a que me admira pelo que sou;
E pelo que fui, e pelo que tento ser.

E é a que me desperta sentimentos que nunca vivi,
Me ensinando as emoções que ainda não aprendi.

domingo, 18 de julho de 2010

"Ser": Verbo Transitivo

(...) o homem de saber dizer tem muitas vezes que converter um verbo transitivo em intransitivo para fotografar o que sente, e não para, como o comum dos animais homens, o ver às escuras. Se quiser dizer que existo, direi “Sou”. Se quiser dizer que existo como alma separada, direi “Sou eu”. Mas se quiser dizer que existo como entidade que a si mesma se dirige e forma, que exerce junta de si mesma a função divina de se criar, como hei-de empregar o verbo “ser” senão convertendo-o subitamente em transitivo? E então triunfalmente, antigramaticalmente supremo, direi “Sou-me”.


Fernando Pessoa

domingo, 11 de julho de 2010

John Byng de Portsmouth


É uma das muitas tradições inglesas a de se colocar em bancos estas placas com nomes de pessoas falecidas. Intrigou-me a falta de um estado civil ou ocupação, comum nas outras placas. Quem teria mandado colocá-la? Fiquei pensando em quem teria deixado como lembrança eterna o fato de ser este um homem bom e gentil. Certamente uma mulher. Mas exatamente quem? Por que?

Comecei a imaginar quem teria sido John Byng.

Vejo-o como um homem muito sério e reservado, um pouco calvo, dono de uma lojinha em Arundel Street e casado com uma certa Evelyn, uma inglesa bonita e voluptuosa (raras mas existem; e Catherine Zeta-Jones é do País de Gales!). Ela é bem mais jovem do que ele e imagino que  em pouco tempo de casada logo se entendia da loja durante a semana e dos sorvetes de baunilha no parque de diversões cafoníssimo de Clarence Pier aos sábados. Para dar mais emoção à sua vida, Evelyn começa a conhecer marinheiros que aportavam na cidade e dentre eles o segundo imediato do ferry boat que liga Bilbao a Portsmouth. Depois de alguns meses de affair, foge com ele para a Espanha.

Quem apóia John Byng é Jane, uma sweetheart de adolescência que é apaixonada secretamente por ele desde então. Ela é bibliotecária, sempre vestida discreta, um pouco gordinha e vive sozinha com seus gatos. Eles se encontram frequentemente no Victoria Park e ficam compartilhando sua paixão pela música de Handel e sua admiração pelo teatro de Wilde e de Bernard Shaw. Lá ela algumas vezes pergunta, muito sutilmente, se ele pensa em se casar de novo. John replica sempre com aquela ironia autodepreciativa tão típica dos ingleses (“no momento, o único que posso oferecer a uma mulher são minhas dívidas” ), acompanhada de um comentário mordaz e distante sobre a volubilidade feminina (“e devo admitir que prefiro a companhia delas, pois tudo indica que serão para sempre”). E Jane se recolhe, sempre tímida.

Enquanto isso, o espanhol se cansa do egoísmo visceral de Evelyn, para quem é um direito natural de toda mulher bonita receber tudo e não dar nada em troca. Em uma noite de mais uma briga, ele perde a paciência e a convida a sair de sua vida.

Evelyn regressa à Inglaterra, humilhada. Vai à casa dos pais, onde é mal recebida. Ela então se muda para Southampton, a alguns quilômetros dali, e sua vida no outro porto é preenchida por marinheiros e uísque. Numa noite de profunda embriaguez, no meio das brumas da névoa salgada e do álcool, a lembrança dos sábados em Clarence Pier a enchem de ternura e nostalgia, e não acha mais aquilo tudo cafona. Finalmente amadurecida, ela realiza que está pronta para retribuir o afeto de seu marido. E chora, de lágrimas verdadeiras, mas já é tarde demais...

Uma tarde John não aparece no parque. Jane se alarma e vai à loja dele, onde pela janela o vê caído no chão, com a mão sobre o coração. Infarto.

Depois do enterro, Jane então manda colocar esta placa no banco onde passaram tantas horas felizes, único sinal da paixão pelo homem que mais amou na vida.

domingo, 4 de julho de 2010

Não dá para entender tudo na vida

Sempre dediquei muito do meu tempo a extensas reflexões filosóficas em busca da Verdade. E depois destes anos todos, o único que posso afirmar com total segurança é que há fenômenos que escapam a toda compreensão humana. O que se passa na cabeça das mulheres, por exemplo.

Na verdade desisti de entendê-las quando eu tinha uns 23 anos, por aí. Na época eu arrastava asa por uma holandesa que era contraditória no jeito que me tratava. Consultei uma conselheira insuspeita, minha prima mais velha, cujo veredito foi direto e enfático: “primo, tem coisas que faço que nem eu mesma sei o porquê”.

Mas por outro lado, as mulheres também afirmam não entender os homens. E deve ser verdade, pelo tempo que gastam nos dissecando nos gestos, expressões e palavras. O que me causa espanto, porque não consigo compreender qual a dificuldade de ler seres tão básicos como os homens, dotados ao mesmo tempo de uma lógica tão óbvia e de necessidades tão simples (a saber: futebol, cerveja e sexo, com pequenas variações e acréscimos). No fundo, elas nos anseiam mais complexos do que realmente somos, pois não querem admitir que seu objeto de desejo (e de admiração, não se pode amar o que não se admira) é tão primário. Minto, há algumas que entendem como os homens pensam e agem: este tipo de mulher é chamado de “lésbica”.

Mas pelo que ouço dizer dos que reclamam, mulheres são paradoxais, confusas e às vezes irracionais. Um amigo meu chegou ao ponto de declarar: “eu só gosto de mulher porque a outra alternativa é inviável!”. Eu mesmo não me queixo. Afinal, sigo o ensinamento de mestre Bob Dylan: “não critique o que você não pode entender”. Tem dado certo.

(E pensando bem, ao final as mulheres não são tão complicadas assim. Por exemplo, a holandesa na verdade gostava da minha atenção, mas não gostava de mim).