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Foto: Mariana de Carvalho. Oxford, Abril 2010

Oscar Wilde

Oscar Wilde de Hoje (e Sempre)

"a man who moralizes is usually a hypocrite, and a woman who moralizes is invariably plain"

domingo, 19 de agosto de 2012

Resenha de "Match Point"

Match Point é tentativa bem sucedida de Woody Allen de fazer drama. Não é comédia e não é leve e superficial como os filmes típicos de sua nova fase. Nesta película ele acerta em cheio um filme denso, elegante e com uma proposta filosófica sofisticada. Ao mesmo tempo, o cineasta preferido de dez entre dez pseudointelectuais mostrou que não precisa arremedar Bergman (ele chegou a ter o diretor de arte do sueco em Setembro) para ser profundo. E justiça seja feita, desta vez ele consumou uma obra madura, compreensível e por que não, excelente.

O primeiro feito pelo diretor na Inglaterra, este filme parece apenas mais uma história de falta de escrúpulos e alpinismo social. O roteiro é simples: em Londres, professor de tênis irlandês de origem humilde (Chris) ascende socialmente por meio do afeto de uma milionária inglesa sensaborrona (Chloe), arranja uma amante americana quente (Nola), e ao engravidar esta última, resolve a “questão” com um crime perfeito. So far so good. Uma história muito bem contada, mas também uma reflexão sobre a sorte, a culpa e o destino.

Já na abertura, uma voz em off declara que grande parte da nossa vida é definida pela sorte - e o quanto isto é amendrontador. Evidente e didático: vamos assistir a uma fábula sobre o papel da sorte em nosso destino.

Sorte, veja bem, e não ordem: não há lei superior a organizar nossas vidas, e nosso mundo social é tal como a natureza, segundo Niestzsche propôs: uma entidade sem moral, nem boa nem má, e que apenas existe. E o acaso talvez seja o mais difícil para o ser humano lidar, já que o mundo precisa fazer algum sentido para conseguirmos levar a nossa própria existência - o suicídio de índios desenraizados é uma infeliz prova antropológica do oposto. E é um desafio para o cérebro humano, condicionado a ver padrões, regularidades, leis e sentidos, ter de considerar que a sorte pode ser mais importante do que talento, Deus, ou até o dinheiro, para se conseguir a felicidade.

Mas o filme, formidável, não trata somente disso: suspeita-se disso na cena na qual o protagonista lê Crime e Castigo de Dostoiévski, um livro que fala não de acaso, mas de erro, culpa e punição. Como a cena não contribui para a trama, ela pode ser tomada como uma advertência, como se o diretor dissesse: “preste atenção nas entrelinhas, pois não é só de acaso que eu vou tratar”.

E é isso mesmo. A narrativa discorre banal  e um pouco arrastada, ainda que bem conduzida, até seus exatos 108 minutos, quando um crime acontece. A partir daí o filme repete elementos do livro do russo: dois assassinatos, o sofrimento na culpa, o detetive que sabe o criminoso e um inocente incriminado.

Mas tanto Dostoiévski o autor quanto Raskolnikov o protagonista são profundamente religiosos, e por esta razão este último se entrega à justiça ao final do livro, já que ele sente culpa, sabe que errou e que o Mal deve ser punido. Já Chris não é nenhum Raskolnikov e enquanto este vai buscar sua absolvição cumprindo pena na Sibéria, Chris até se sente culpado, mas se habitua e acaba por constatar que “tudo passa”.  E escapa várias vezes de ser preso, por “golpes de sorte”.

Na verdade, os grandes temas do livro estão condensados nos 15 minutos finais, e toda a filosofia do filme está sintetizada na cena em que Chris sonha com suas vítimas: arrasado pela culpa, ele diz que gostaria que houvesse justiça para o que ele fez, e assim ter alguma esperança de sentido na vida. No entanto, isto é um sonho compensatório, pois ele leva uma vida confortável e sem punição, mas também sem sentido e ao lado de quem não ama. Diferente de Raskolnikov, que se submete a uma vida duríssima na Sibéria para dar sentido à própria vida e ao lado de quem ama, pois sua noiva o acompanha.

Aí chegamos à “moral” do filme: não existe justiça divina nem muito menos humana, os maus não são punidos e tudo é aleatório. Por isso somos eternamente vítimas do acaso e a vida não tem sentido. É ou não é um grande filme?

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